Em um mundo onde a sigla AGI – Inteligência Artificial Geral domina manchetes e palestras, a realidade das empresas se mostra muito mais complexa.
Estivemos no IT Forum, um dos principais encontros de tecnologia e liderança do Brasil, e o que ecoou nos corredores não foi a promessa de uma superinteligência, mas a urgência de resolver problemas concretos.
A palestra de Gary Bolles, professor da Singularity University, foi um dos pontos altos, trazendo uma reflexão tão contundente quanto urgente: a narrativa da AGI como um avanço iminente pode ser mais um golpe de marketing do que uma realidade tecnológica palpável.
Essa perspectiva ressoa profundamente com os desafios diários que os líderes de TI enfrentam: governança, segurança, integração e a preparação para riscos.
Os principais argumentos de Gary Bolles
Gary Bolles, uma das vozes mais respeitadas no debate sobre o futuro do trabalho e da tecnologia, questionou a forma como a inteligência artificial e a AGI são apresentadas.
Segundo ele, “estamos usando ferramentas do século XXI para gerenciar organizações do século XX. O desafio não é a tecnologia. O desafio é a nossa mentalidade. Por isso, a narrativa ufanista, que promete uma inteligência capaz de realizar qualquer tarefa humana com maestria, desvia a atenção dos verdadeiros desafios. A obsessão pela inteligência artificial, muitas vezes impulsionada por discursos de grandes empresas de tecnologia, cria uma expectativa irreal e ofusca o progresso incremental e os problemas práticos que precisam ser resolvidos hoje.
A grande crítica de Bolles é que, ao invés de focar em como as ferramentas de IA atuais podem otimizar processos e criar valor real, as empresas se perdem na busca por algo que ainda está longe de ser concretizado. Para ele, o verdadeiro impacto da IA não virá de um único cérebro digital onipotente, mas da capacidade das organizações de integrar e governar uma infinidade de sistemas menores, cada um com uma função específica. Para Bolles, o foco deveria estar na mentalidade de adaptação, não na espera por uma bala de prata tecnológica.
Os desafios para lideranças de TI: governança, segurança, integração e preparo para riscos
A provocação de Bolles se alinha perfeitamente com a realidade de que, no dia a dia, tem a missão de liderar equipes de TI ou até de áreas de negócio.
Em um cenário de proliferação de novas tecnologias, o desafio não é apenas adotar a mais recente inovação, mas garantir que ela funcione de maneira segura, eficiente e em harmonia com o restante da infraestrutura.
Isso leva a adoção de qualquer IA a se correlacionar com:
- Governança: a chegada de novas ferramentas de IA, muitas vezes descentralizadas e adotadas por diferentes setores da empresa, cria um caos de governança. Quem é responsável por decidir quais dados são usados, como a IA toma decisões e, principalmente, como garantir que o uso da tecnologia seja ético e transparente? As lideranças precisam ter políticas claras, frameworks de responsabilidade e auditorias contínuas para evitar riscos legais e reputacionais.
- Segurança: a IA, em suas múltiplas formas, exige um novo olhar sobre a segurança cibernética. Modelos de aprendizado de máquina podem ser alvos de ataques que manipulam dados (envenenamento de dados) ou extraem informações confidenciais (ataques de evasão). Além disso, a integração de APIs de terceiros e a necessidade de compartilhar dados para treinamento de modelos aumentam a superfície de ataque. Proteger a integridade e a confidencialidade dos dados se torna uma prioridade máxima.
- Integração: a promessa da inteligência artificial pode fazer com que a integração de sistemas pareça um problema trivial. No entanto, a realidade é que as empresas operam com um mosaico de sistemas legados, plataformas em nuvem e ferramentas SaaS adquiridos de maneira totalmente independente. Integrar novas soluções de IA nesse ambiente complexo exige arquiteturas flexíveis, APIs bem definidas e uma visão holística que evite a criação de novos silos de dados. A verdadeira transformação acontece quando a informação flui livremente e as ferramentas se comunicam.
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Preparo para riscos: o hype pode levar a decisões apressadas e investimentos inadequados. As lideranças precisam avaliar os riscos de cada nova tecnologia diante dos benefícios esperados. Isso inclui desde a dependência de fornecedores até o impacto de falhas. A preparação para riscos não significa apenas ter um plano de recuperação de desastres, mas construir uma cultura de resiliência, em que inovação é equilibrada a cautela.
O conceito de sistema operacional da mudança
Para lidar com esses desafios que foram do escopo da questão estritamente técnica, Gary Bolles propõe o conceito de sistema operacional da mudança. A ideia central é que, em vez de focar apenas em tecnologias isoladas, as organizações devem construir uma estrutura que permita a adaptação contínua.
Esse sistema operacional é composto por três pilares:
- Ferramentas: as ferramentas e plataformas que permitem a inovação.
- Competências: a estrutura e os processos internos que permitem que a empresa e, acima de tudo, que as pessoas se adaptem, desenvolvendo as habilidades que a preparem para o futuro.
- Mentalidade: a cultura e a forma como as pessoas pensam sobre o trabalho e a mudança, indo além do óbvio.
Nesse contexto, a IA não é a solução mágica, mas uma das muitas ferramentas que compõem o pilar tecnológico. A verdadeira força da empresa reside na sua capacidade de alinhar os três pilares, criando uma organização fluida, que aprende e evolui de forma constante.
O papel dos líderes de TI
O líder de TI do futuro não é um simples gestor de tecnologia, mas um arquiteto da resiliência organizacional. Ele não lidará apenas com tecnologia da informação, mas com técnicas de inovação. Isso não é um evento, mas um processo.
Nesse sentido, seu papel transcende a implementação de sistemas, tocando responsabilidades como:
- Educar e desmistificar: desafiar a narrativa de marketing da inteligência artificial e mostrar o valor prático das ferramentas disponíveis hoje.
- Desenhar a arquitetura de mudança: criar a base tecnológica e de governança que permite a adoção segura e estratégica de novas tecnologias.
- Conectar o negócio à tecnologia: traduzir as necessidades do negócio em soluções tecnológicas viáveis, garantindo que os investimentos em IA gerem retorno real.
- Promover uma cultura de experimentação segura: incentivar a inovação em ambientes controlados, onde é possível testar novas soluções, aprender com os erros e adaptar rapidamente.
O verdadeiro líder de TI entende que a tecnologia é apenas uma parte da equação. A transformação digital não é um evento único, mas um processo contínuo de adaptação.
Inteligência artificial com pé no chão
A palestra de Gary Bolles no IT Forum serve como um importante lembrete: a verdadeira transformação não reside na espera por uma tecnologia futurista, mas na ação estratégica presente.
A inteligência artificial pode ser um grande espetáculo do marketing, mas os desafios de governança, segurança, integração e preparo para riscos são a realidade tangível que os líderes de TI precisam enfrentar diariamente.
Para construir uma organização resiliente, é fundamental que a liderança de TI pare de perseguir o unicórnio e comece a focar em construir o sistema operacional da mudança. A verdadeira revolução não virá de uma superinteligência, mas da nossa capacidade de usar as ferramentas que já temos de forma inteligente, segura e integrada.
A sua empresa está preparada para essa realidade? Quais são os passos que você está tomando hoje para garantir que sua organização não seja apenas tecnologicamente avançada, mas verdadeiramente adaptável e resiliente?
